Rio -
Pedro Álvares, o Cabral, em 1500, a serviço do capital mercantil,
apossou-se em nome do Rei das terras de Pindorama e possibilitou o
processo de escravização ou expulsão dos legítimos ocupantes da terra.
A abolição da escravatura em 1888 propiciou a vinda para o Brasil do
excesso de mão de obra da Europa, liberada pelo advento de novas
técnicas de produção, e vieram boias-frias e sem-terras da Itália, da
Alemanha, da Espanha e da Suíça para a alegria dos cafeicultores.
Guimarães Rosa, em ‘Sagarana’, descreve a vida dos espanhóis imigrantes
que ‘compraram um sítio de sociedade. E fizeram relações e se fizeram
muito conceituados, porque, ali, ter um pedaço de terra era uma garantia
e um título de naturalização.’ Mas o mandonismo dos coronéis na
Primeira República não permitia sequer a aquisição e manutenção da
propriedade daqueles que lhes fossem indesejáveis e o Major Anacleto
convocou seus ‘cabras’ um serviço: “Estevam! Clodino! Zuza! Raimundo!
Olhem: amanhã cedo vocês vão lá nos espanhóis, e mandem aqueles tomarem
rumo! É para sumirem já, daqui!... Pago a eles o valor do sítio. Mando
levar o cobre”. “Se a espanholada miar, mete a lenha. Se algum quiser
resistir, berrem fogo”.
Monteiro Lobato em ‘Urupês’ denunciou que não se usava recurso legal
contra o caboclo, a quem se toca como se toca um cachorro inoportuno ou
uma galinha que vareja pela sala.
No contexto do mandonismo, os ‘cabras’ é que promoviam as remoções, a
serviço do interesse dos seus senhores. Hoje o Estado se encarrega do
serviço por suas instituições. Em Pinheirinho não as faltaram, nem
faltam no Rio. Em São João da Barra, para construção do Complexo
Portuário do Açu, o mando local também dá seu recado para agricultores
que vivem e plantam a terra há gerações: ‘Sumam daí já. Pago o valor do
sítio. Não mando o cobre, mas deixo depositado em juízo, para quando
regularizarem os inventários dos seus avós’.
O poder econômico hoje tem os seus ‘cabras’, tal como o capital mercantil tinha Cabral, em 1500.
Cientista político e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia