terça-feira, 13 de março de 2012


É o dono do vale-tudo. Os negócios vão de vento na popa. 

Publicado no Jornal OTEMPO em 18/02/2012 


EVERALDO GONÇALVES 
Geólogo e professor (USP e UFMG) 


É a questão do X. Ave, Eikeaçu!

Eike não leu o livro que não escreveu. Ele não é um Barão de Mauá. Pode ser um lobo, mas não o Monteiro Lobato do "Petróleo é Nosso!".

Peça de autoajuda escrita com pena de aluguel, sem forma, conteúdo ou estilo, na brochura, com 159 páginas e 41 capítulos. Falta versículo à nova bíblia, tal como "O Capital". As fotos borradas escondem a paisagem destruída, as cicatrizes das minas contaminadas de mercúrio, os assoreamentos, além da alma dos figurantes. Na mina de ferro Tico-Tico, da MMX, em Minas Gerais (pág. 102), a poluição é visível. Na capa da obra, o ícone, de mão fechada no bolso, expõe a verdade na manga do paletó ao avesso, sem o ás. Na camisa preta, tom sobre tom, falta a gola. Pronto para a degola. No escuro da sombra, ao fundo, o símbolo do sol inca. Na parte inferior, a marca Primeira Pessoa, indicando a editora e a linguagem. O título não passa no toque da pureza: "A trajetória do maior empreendedor do Brasil, com destaque para o X da questão". O X está escondido na foto brilhante do cara. A questão do X é saber quem está por trás desse Silva, excluído do nome paterno. Sim, Eliezer Batista da Silva. O pai desse filho prodígio diz de cara: o destino do rebento estava traçado há 40 mil anos! Vai vender igual água, já que, antes de vender como petróleo o neófito, precisaria mostrar quem é homem e quem é menino, pois, para ele, é o estresse que separa um e outro (pág. 81). Nasceu para brilhar. 

Quem leu as biografias do Barão de Mauá, de Monteiro Lobato e de outros capitalistas de fato poderá comparar. Tem fama de Midas, porém, sem fonte da juventude ou pedra filosofal. O rejuvenescimento, a peruca e o botox fantasiam as marcas do tempo. O ouro, se ao menos tivesse pagado o quinto, seria de menos título, ou é pirita. O petróleo está esperando o campeão de "offshore" embarcar nessa canoa furada. Contudo, é o homem mais rico do Brasil e oitavo do mundo. Fortuna amealhada a partir do nada - de um minério, bem da natureza, do subsolo, que pertence à União. Mero extrativismo, anterior ao capitalismo. Todavia, para usurpar essa acumulação primitiva de capital, basta um requerimento à União, ou participar de leilões de petróleo e gás. Eike goza de informações privilegiadas e da ajuda oficial, do BNDES e da Caixa.

Eike Batista começou a trabalhar bem jovem, como caixeiro viajante, vendendo enciclopédia e seguros, ainda na Alemanha, onde estudava engenharia. Abandonou logo o curso e se formou na escola da vida. É o conquistador de todas as maravilhas da humanidade. Nas trilhas de Carlos Magno, com seu capital, vai unificar os proletários do mundo, sem quebrar seus grilhões. 

Pode reconstruir o Império Romano, a começar pelo "circus". Um novo César, com as arenas de MMA, com a UFC, onde gladiadores, com a espada em X, vão a gritar: "Ave, Eike, morituri te salutant!". Cantando. De pé, famélicos da terra: "Salve, Eikeaçu! Aqueles que vão morrer te saúdam!". O show já começou, e o Mister X, na visão de 360°, transformou o círculo em octógono. É o dono do vale-tudo. Os negócios vão de vento na popa. O "best-seller" vende, de graça, conselhos vulgares aos investidores: não desista, errar é comum, o dinheiro é covarde, seja cordial para evitar levar um tiro como ele levou, pelas costas. 

Berço pobre? É burguês, filho rico da alta burocracia. Onde a bandidagem começa? A história de todo fora da lei não difere: ao rico, tudo é permitido. Criminoso confesso, mas o leitor desavisado não capta: contrabando de diamante e ouro (págs. 35 e 38). O fiasco da obra é questão do fisco. Volta à luta, camarada Luíza!