terça-feira, 4 de junho de 2013

Do blog do Prof. Roberto Moraes: entrevista com o advogado da ASPRIM


Para entender melhor a decisão da 2ª Instância da Justiça Federal da semana passada, noticiada aqui pelo blog, a respeito o licenciamento das obras do Complexo do Açu, especialmente do estaleiro da OSX na área de restinga, e também da relação disto com as desapropriações, resolvemos entrevistar o advogado da Asprim (Associação dos Produtores Rurais de Imóveis e Moradores do Açu), Cristiano Pacheco. Ele tem formação de mestre em Direito Ambiental pela UCS, especialista em Direito Ambiental pela UFPEL, é atua também como professor, além de advogado.

Como as respostas ficaram muito extensas o blog resumiu para publicação abaixo, porém a entrevista na íntegra pode ser lida aqui:

Blog: Considerando a negativa permanente sobre a análise sobre os impactos cumulativos da sinergia dos empreendimentos do Complexo do Açu, o que pode significar esta decisão no TRF?

Cristiano: A decisão do TRF mantém os efeitos da liminar deferida pelo Juiz Federal Vinícius Vieira Indarte, da 1ª Vara Federal de Campos, contra o Ibama. Com isso o Ibama continua obrigado a fazer auditoria no processo administrativo do Inea que concedeu Licença de Instalação em favor da Unidade de Construção Naval – UCN da OSX.

Além disso, o Ibama continua tendo que auditar a área de restinga cortada para a instalação da OSX, indicando a totalidade da área já cortada e até que data teria sido cortada. Isso esclarecerá numericamente o quanto foi cortado dentro da área de preservação permanente – APP. Pelo parecer da Associação dos Geógrafos do Brasil – AGB, anexado ao processo, uma grande parte da área destinada à instalação da UCN da OSX possui vegetação de restinga, ou seja, é especialmente protegida por lei. Haveria uma restrição de espaço importante.

O único êxito do recurso do IBAMA foi retirar a multa diária em caso de descumprimento da liminar. Há entendimento de que não seria correto o IBAMA pagar multa diária uma vez que quem estaria pagando, no fim, seria o povo. Mesmo que muitas pessoas não atentem para isso, a instituição IBAMA e seus servidores são mantidos pelos impostos pagos pelos cidadãos brasileiros e isso inclui, é claro, os moradores de São João da Barra e entorno.

A identificação dos impactos sinérgicos continua sendo uma grande interrogação. A decisão que mantém a obrigação do IBAMA em auditar o licenciamento e as obras da UCN-OSX pode ser um um bom começo para o esclarecimento. Danos em uma área costeira delicada e bem preservada como a da região sempre trazem efeitos ecológicos sinérgicos e consideráveis, e isso é um dos pontos que minha cliente, a Asprim, ataca na ação judicial. O EIA/RIMA é obrigado a explicar isso com clareza, mas não é o que acontece. As empresas X não chegam nem perto disso no licenciamento.

Os dados levantados pelo Ibama nessa auditoria proporcionarão o acesso a dados técnicos e provas que servirão de subsídio para uma provável indenização, caso haja condenação judicial contra as empresas X, com base em cálculo ecossistêmico e responsabilidade civil ambiental por participação de outras empresas e instituições envolvidas, como é o caso do BNDES.

Blog: Pode-se afirmar que a decisão judicial obriga o Ibama a fiscalizar as obras de implantação do Complexo do Açu?

Cristiano: A decisão liminar obriga o Ibama a fiscalizar apenas as obras da UCN da OSX, no que refere à supressão de área de restinga destinada à sua supressão. O pedido da Asprim é de embargo de todo o empreendimento, já que entende existirem problemas graves no Estudo de Impacto Ambiental, que contaminariam as licenças deferidas. O magistrado entendeu que a necessidade de embargo total só poderia ser provada no transcurso da ação e não seria caso de deferimento antecipado de liminar. Esse foi outro ponto: provar com base em quais dados se o Estudo Ambiental era omisso na maioria dos pontos? Havendo omissão e risco evidente, o habitual é invocar o Princípio da Precaução. Foi isso que minha cliente fez, mas para o Juiz os elementos apresentados não foram suficientes para embargar o resto das obras.

Antes do empreendimento chegar, a região possuía uma das mais bem preservadas áreas de restinga do país, o que seria mais um bom motivo para um licenciamento cuidadoso, inclusive contemplando o Princípio da Precaução.

Pelas informações disponíveis no processo judicial, uma boa parte desta área já teria sido suprimida antes do deferimento da liminar. A auditoria do Ibama esclarecerá isso. Aliás, boa parte das obras foi feita durante o longo ano que se passou se discutindo na justiça a competência do Juiz para julgar a liminar. Vale lembrar que as liminares foram distribuídas em caráter de urgência, pessoalmente por mim, minha cliente, Juiz Federal e MPF.

Caso haja condenação, como referido acima, a auditoria do Ibama será importante para iniciar a quantificação dos danos, o prejuízo na função ecológica e geológica que a restinga presta ao meio ambiente local, as lagoas, quantos animais ali viviam e morreram e quantos deixarão de nascer por causa dos danos, qual o impacto desses animais nos ecossistemas na condição de polinizadores da restinga, danos e riscos às espécies vivas interdependentes, amaçadas, sobre-explotadas, a salinização das lagoas doces, a possível contaminação do lençol freático, a qualidade de vida da comunidade afetada, assim por diante.
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Voltando para a decisão, mesmo que esteja em discussão a competência do Inea para licenciar, nada impede que o Ibama atue como fiscalizador. A lei assim permite e nesse ponto pareceu bastante correta a decisão, confirmada pelo TRF. O Ibama deve recorrer, mas não acreditamos que a decisão será revertida nesse ponto.

O Inea não deveria temer essa fiscalização, até mesmo porque o Ibama só tem a ajudar, tem muito mais experiência em licenciamentos em área costeira do que o Inea. Uma pena mesmo foi o fato do primeiro Juiz Federal Dr. Elder Fernandes Luciano, da 1ª Vara Federal de Campos, ter se manifestado incompetente para julgar as liminares em 08.02.12, quando a Asprim despachou referindo a urgência e o risco de danos ambientais, que já estavam acontecendo. Com a manifestação de incompetência para julgar, o processo foi remetido para a Vara Federal do Rio de Janeiro, depois ao TRF 2, para então só depois voltar para a Justiça Federal de Campos onde a Asprim havia ingressado com a ação, um ano antes.

Blog: Qual a expectativa dos autores (Asprim) com esta ação e com estas duas decisões favoráveis?

Cristiano: O embargo das obras da OSX foi importante pois sinalizou obscuridades no licenciamento, a começar pelo que você bem mencionou, os impactos ambientais sinérgicos. Na forma digamos assim “mastigada” e fragmentada do Estudo de Impacto Ambiental, não é possível apontar qual o somatório dos impactos e isso viola a lei. São 11 tipos de impacto, alguns de nível gravíssimo como petróleo refinaria e mineração, envolvendo mais de uma dezena de empresas a ocupar o patio industrial. Isso pelo menos conforme o projeto inicial que consta no EIA/RIMA.
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Precisamos admitir que muitos licenciamentos acabam intencionalmente tapeando a população afetada, pecam pela falta de informação, clareza. Adotam o arcaico estilo pro forma, levando à população pouco ou nada sobre as consequências que estão em jogo.

O EIA do Distrito Industrial do Acú tem exatamente esse DNA. Em alguns trechos lembra aqueles manuais sobre biomas brasileiros que distribuem em congressos e palestras. Descrevem com detalhes a vegetação de restinga, as lagoas e animais que ali habitam, porém esquecem de explicar o mais importante, ou seja, os impactos envolvidos, os riscos de salinização das lagoas, os danos causados pelo emissário marinho de resíduos, a frequência e intensidade das dragagens, seus impactos marinhos e costeiros, e assim por diante.

Os impactos ambientais precisam estar claros no licenciamento, precisam ser de fácil compreensão por aqueles que justificam sua existência: a sociedade. Ao falar de meio ambiente falamos de direitos coletivos. Esse espírito de informação e clareza buscado na ação judicial, não se trata de mera implicância da Asprim, mas sim uma obrigação legal prevista na Resolução 237 do Conama e na Constituição Federal. Não se trata de ser contra o empreendimento, mas sim contra a locação escolhida e os critérios que autorizaram as licenças.

Blog: A decisão traz alguma repercussão para os pequenos proprietários rurais atingidos pela salinização do solo?

Cristiano: A decisão, como já dito acima, é direcionada à área de instalação da UCN da OSX. Ainda é cedo para prever o que pode acontecer, tendo em vistas as inúmeras obscuridades em torno do empreendimento. Quanto aos efeitos da salinização talvez melhor a visão de um técnico, se há forma de remediar os danos, em que parcela isso é possível e se é possível. Ao que tudo indica, já existem danos indenizáveis. No campo jurídico aconselhei aos associados da Asprim ficarem atentos às desapropriações, aos obrigatórios mandados de imissão de posse que precisam ser apresentados no ato da desapropriação. Aconselhei a acompanharem de perto a situação e os próximos andamentos.

A ação que a Asprim move não deixa de atacar indiretamente as desapropriações, a pertinência delas pois estão ocorrendo dentro da área do projeto do Distrito Industrial. Uma considerável parte dos 7.200 ha anunciados para o empreendimento é de preservação permanente, protegidos por lei ambiental federal, sem referir a área costeira, lagoas, entorno afetado, impactos sinérgicos, etc.

A Asprim ingressou com uma segunda ação civil pública na Justiça Federal de Campos. Infelizmente ela está tomando o mesmo rumo da primeira, ou seja, o magistrado se manifestou incompetente para julgar e remeteu para a Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Se trata de um novo pedido liminar de exibição de documentos contra a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro – CODIN e Inea, onde a Asprim solicita a lista completa de despropriações feitas até o presente momento, as que estão em andamento e as demais programadas. De posse dessas informações, que curiosamente vem sendo negadas pelo Codin desde abril de 2012, a Asprim ingressará com novas medidas contra o licenciamento.

Blog: O que mais pode ser interpretado desta decisão em instância superior à local?


Cristiano: O caso é complexo e a Asprim precisou agir rápido com o que tinha em mãos, pois as obras já haviam iniciado. A associação focou nos problemas mais graves e onde parecia haver mais chances de embargo.

Um dos pedidos liminares era a suspensão das dragagens da OSX para abertura do calado marinho, até que o EIA/RIMA fosse complementado. Essa obra era sem dúvida uma das mais impactantes ao ambiente, e uma das mais polêmicas também.

Na primeira reunião com a Asprim fiz questão de conhecer pessoalmente as obras. Eu e o Rodrigo, vice-Presidente da Asprim, filmamos e fotografamos o início da dragagem do calado da OSX, quando era apenas um pequeno córrego cruzando a restinga.

Um ano de burocracia processual foi o necessário para que o canal ficasse pronto. Daí ocorre o tal “fato consumado”. Perde o sentido discutir o embargo de uma obra, pois ela já está pronta, restando apenas apurar eventual indenização, ou compensação, caso se consiga provar algo ilegal.

As ações ambientais movidas por ONGs em grande maioria são movidas quando o dano já está acontecendo. O ideal é questionar os licenciamentos quando ainda estão no órgão ambiental, ou quando recém foram publicados. A demanda judicial não é a única via de cumprimento da lei, muito menos a mais forte, como muitos pensam. É preciso combiná-la com debates, protestos, articulação e pressão na mídia. A Asprim começou muito bem essa articulação. Organizou um debate convidando as empresas, diretores, Governo do Estado do RJ, Codin, órgãos ambientais, MP e até mesmo o Sr. Eike Batista. Claro que ninguém foi, apenas os proprietários comparecerem. Nem mesmo o Ministério Público compareceu.

Funcionou melhor do que se todos tivessem comparecido. O evento foi uma verdadeira bomba na mídia eletrônica, pois a ausência em massa demonstrou que algo andava muito mal. A Asprim jogou isso contra as empresas, Inea e Codin. As estratégias precisam ser montadas, arquitetadas. A judicial é só uma das ferramentas. Ela sozinha tem se mostrado insuficiente, ainda mais quando falamos de empreendimentos desse porte, com amplo apoio do Governo Federal.

Blog: Quanto ao licenciamento ambiental de grandes empreendimentos no Brasil, haveria alguma comparação interessante a fazer com o caso do Distrito Industrial do Açu?

Cristiano: Há uma comparação interessante a ser feita com o caso clássico da Hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia. Uma das semelhanças mais marcantes – além do altíssimo risco ambiental e social - é a falta de esclarecimento técnico sobre a totalidade dos danos e os impactos sinérgicos. Falo também dos impactos daqui a 100, 200, 700, 10.000 anos. Essa previsão é necessária já que a Constituição fala em gerações futuras, certo? Futuras gerações e passivos ambientais futuros são uma grande interrogação e inconveniência em ambos empreendimentos, não esclarecidos pelo EIA/RIMA.
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A tentativa de instalação do Porto do Açú mal começou e já abriu fissuras e rendeu artigos acadêmicos em congressos nacionais e internacionais, inclusive junto a evento do Banco Mundial, em Washington, Estados Unidos. É importante denunciar quando há ilegalidades. Todos ganham com isso, até mesmo os empreendedores que aprendem à força a abandonar velhos hábitos, tendo aos poucos que substituir consultores superados por técnicos mais capacitados, modernos e sintonizados com o tempo em que vivemos.

Como diz Henrique Leff, “a modernidade questiona as próprias bases da produção”. É esse o desafio das empresas. É preciso encará-lo com honestidade e sem ingenuidades, conscientes do tamanho do problema e das inúmeras dificuldades produtivas que precisaremos enfrentar se quisermos mesmo conciliar crescimento com qualidade de vida e prosperidade. Os licenciamentos ambientais são como o Direito, um fenômeno social. Eles precisam acompanhar o tempo, não caminhar contra ele, como é o que parece tentar fazer o Distrito Industrial do Açu e as polêmicas empresas X.