terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A Cidade X

Do Blog da Fernanda Huguenin: http://www.fmanha.com.br/blogs/ocrueocozido/?p=366


Na semana passada, publiquei aqui um artigo sobre o Porto do Açu que me rendeu tanto críticas quanto elogios. Julguei absolutamente importante continuar o debate, já que o assunto mobilizou os leitores a defender suas opiniões. Quem sabe assim, as coisas continuem mudando, mas sem permanecerem estruturalmente iguais. Ao contrário do que possa ter parecido, não sou contra o chamado desenvolvimento. Não seria louca de considerar um absurdo a industrialização e uma temeridade o urbanismo. A minha crítica se dirige aos modos de fazer e às formas de operar pelos quais o desenvolvimento tantas vezes está fundamentado. Neste sentido, parece-me oportuno refletir sobre a Cidade X.



O município de São João da Barra tem entre 30 e 40 mil habitantes. Conforme noticiou Cristiano Barbosa, no blog Ponto de Vista, Eike Batista contratou o arquiteto e urbanista paranaense Jaime Lerner para planejar a Cidade X, que será construída no próprio município. Trata-se de um grande empreendimento imobiliário que deverá abrigar 250 mil pessoas e será erguido em função do aumento populacional que o Porto do Açu promoverá. Segundo o empresário, será uma cidade bonita e ecologicamente correta. Mas nem vou gastar tinta do jornal especulando se a Cidade X será, na verdade, uma espécie de vila operária ou se, no futuro, vai requerer emancipação, já que ultrapassará a sanjoanense. Também nem vou pensar sobre os que nascerem na Cidade X. Serão x-sense? A questão é bem outra: o que acontecerá com os que vão construí-la?

Não é por um sentimento de demofobia que proponho essa pergunta, mas porque vi de perto o que ocorreu com a capital nacional. Os operários que se dirigiram para o Centro-Oeste pra edificar Brasília por lá permaneceram. Não nas luxuosas habitações do Plano Piloto. Em 1969, com apenas nove anos de fundação, Brasília já tinha 79.128 favelados, que moravam em 14. 607 barracos, para uma população de 500 mil habitantes em todo o Distrito Federal. Essa é a origem de cidades satélites como Ceilândia, Samambaia e Taguatinga, onde até hoje não há infraestrutura decente. Acreditem, a capital do Brasil está rodeada de favelas mais precárias que as do Rio de Janeiro. Alguma dúvida de que isso possa acontecer aqui?

Então vejam a notícia publicada no blog Entrelinhas, de Júlia Maria de Assis, a respeito dos 41 trabalhadores maranhenses que chegaram a Grussaí. Eles fizeram empréstimos pessoais e atravessaram o país atraídos por uma promessa de trabalho no Porto. Mas nada conseguiram e ficaram alojados passando fome no mesmo ônibus que os trouxe. O que será deles? Esse é só o começo do fim, porque o destino dos muitos outros trabalhadores que aqui chegarão, como os 40 vindos de Sergipe e sobre os quais não se tem notícias, não será provavelmente os prédios da Cidade X, mas as favelas que serão formadas ao seu redor.

Por último, não sou contrária nem ao Porto, nem à Cidade X. Não acho que Eike Batista seja, na verdade, um shEike a explorar recursos e devolver miséria. Talvez ele seja até mesmo um visionário ao estilo do Barão de Mauá. No entanto, é preciso que nós, os nativos, estejamos criticamente atentos. Detesto o olhar colonizado e pequeno-burguês que enxerga na promessa de desenvolvimento apenas as vantagens e proveitos que talvez se possa auferir. Depois da alta da construção civil na região, será que veremos a ampliação dos lucros da indústria da violência? É preciso que enxerguemos a Cidade X não apenas com o X da multiplicação, mas também com o X de uma radiografia.