Do site da Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB)
Empreendimento de Eike Batista ameaça de remoção moradores de área equivalente a 7 mil hectares.
Leandro Uchoas, 13 de Setembro de 2011
O salão estava novamente tomado por homens e mulheres de mãos grossas, pele marcada pelo sol, e o olhar inconfundível dos indignados. Sentados ao redor da mesa oval, atentos e apreensivos, acompanhavam ora os discursos de dor, ora os de descaso. Não era a primeira vez. Há mais de três anos, os agricultores e pescadores do 5º Distrito de São João da Barra, no nordeste do estado do Rio de Janeiro, lutam contra a remoção à qual estão condenados pela instalação, na região, do Porto do Açu, pela LLX do empresário Eike Batista. Destinado a ser o maior da América Latina, o porto envolve recursos da ordem de R$ 6 bilhões, e ameaça de remoção moradores de uma área de 7 mil hectares.
Por isso estavam ali, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), para listar, mais uma vez, os indícios de desrespeito à lei, e o descaso do governo estadual diante dos sérios impactos sociais e ambientais do empreendimento, o maior porto privado do mundo. A audiência pública promovida pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) colocou, frente a frente, os impactados pelo empreendimento, o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Julio Bueno, a presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos, e o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Eduardo Santos de Oliveira.
“O porto afeta a maior área de preservação de restingas do Brasil. Nunca foi feito um levantamento das espécies do local – há muitas ameaçadas de extinção. Nem foi feito um levantamento social e econômico da região. Só na área de produção de alimentos, serão perdidos 15 mil empregos. Levando em consideração a distribuição, serão 50 mil. São 477 propriedades afetadas”, diz o vice-presidente da Associação dos Produtores Rurais e Imóveis de São João da Barra (Asprim), Rodrigo Silva Santos. “Nós não vamos ceder. Nossa cultura e nossa vida está dentro do 5º Distrito. Não queremos sobreviver dentro de uma ‘subvida’”, completou.
Segundo os impactados pelo empreendimento, São João da Barra é o segundo maior produtor de abacaxi do estado, e o maior de maxixe. Ocupa ainda a terceira posição na produção de pescado no Rio de Janeiro – as obras afetarão 400 famílias de pescadores. Também produz toneladas de verdura e frutas – o fornecimento de comida seria fortemente afetado pela remoção dos agricultores, inclusive na capital do Estado. A enorme área de restinga afetada seria, segundo eles, elemento de conexão entre distintos ecossistemas da região. Os moradores também protestaram contra a repressão do governo estadual a seu direito de manifestação. Um ato teria sido fortemente reprimido pela Tropa de Choque da Polícia Militar.
A representante da direção fluminense do MST, Amanda Matheus, também denunciou o processo de duplicação da BR-101, na mesma região. O projeto foi reformulado, e atualmente está projetado para passar por dentro dos assentamentos Zumbi e Che Guevara. “Eles estão prevendo a instalação de um corredor logístico que deve desapropriar os lotes que margeiam a rodovia. Só no Zumbi serão 200 famílias atingidas. Não houve, em nenhum momento, conversa com a população sobre o novo critério de ocupação do solo”, disse. “A mudança no traçado da rodovia atende interesses da prefeitura de Campos, do governo do Estado e de Eike Batista”, lembrou Paulo Alentejano, doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UERJ.
O procurador Eduardo Santos de Oliveira lembrou que, ainda em 2008, o MPF ajuizou uma ação para investigar o empreendimento. “É uma obra de grande complexidade que foi fragmentada no discurso. Eles separaram o minerioduto (que vai trazer o minério de Minas Gerais para o Açu), o porto e o povo. Além disso, é um porto privado, uma porta aberta para o Brasil que pertence a um empresário. Eu soube que nem a Marinha nem a Polícia Federal terão acesso. Temos que discutir as consequências disso”, avaliou, lembrando que já há inquérito para apurar a duplicação da BR-101. “Espero que, um dia, a gente venha a discutir não apenas como se conduz um empreendimento, mas se ele deve ou não ser instalado”, disse.
A presidente do Inea, Marilene Ramos, não aceitou a acusação de que a concessão ao empreendimento foi fragmentada, e questionou a afirmação de que o porto deveria ser autorizado pelo Ibama. “Houve licenciamento apenas do porto e de duas termoelétricas que serão instaladas no local. O licenciamento do Distrito Industrial e da siderúrgica ainda estão em discussão”, afirmou, propondo a instalação de uma Comissão para avaliar, no Inea, o mapeamento dos projetos relacionados ao empreendimento. Marilene sinalizou a possibilidade de alterar o planejamento do Distrito Industrial – área de agricultura a ser ocupada pelos empreendimentos conexos ao Porto do Açu.
Freixo aceitou a formação da Comissão, prometendo integrá-la. Pouco antes, a deputada Clarissa Garotinho (PR), oriunda da região, anunciou, em rápida passagem pela audiência, a formação de uma Comissão Especial na Alerj para acompanhar o Porto do Açu. Freixo e os deputados Paulo Ramos (PDT), Zaqueu Teixeira (PT) e Janira Rocha (PSOL), presentes na audiência, também integrariam a articulação parlamentar. “O governador assinou o decreto de desapropriação porque para ele é fácil. É amigo do Eike Batista. Viaja no aviãozinho dele”, disse Paulo Ramos, muito aplaudido. Roberto Henriques (PR), ex-prefeito de Campos dos Goytacazes, cidade vizinha, também esteve presente.
Júlio Bueno defendeu o governo. “É assim mesmo. O mundo é contraditório. A gente deve analisar os números. São 15 moradores residentes. A gente está dando uma casa igual a deles em compensação. Desapropriação não é um ato voluntário, é de força. Como a Justiça ainda não reconhece a posse, dentre 84 agricultores, 73 estão recebendo o auxílio produção. O valor varia de R$ 500 a R$ 2.500, dependendo da produção”, afirmou. Júlio não explicou em que área aferiu esses dados, uma vez que o número de impactados é significativamente maior do que os valores apresentados pelo secretário.
Freixo propôs a suspensão imediata das remoções, até que o artigo 265 da Constituição Estadual, que trata de desapropriações, seja cumprido. Júlio não aceitou a proposta. “São R$ 20 milhões já liberados, só para que vocês tenham uma ideia da ordem de grandeza de que estamos falando”, disse, para surpresa dos outros presentes, que estavam falando de direitos humanos. O último encaminhamento da audiência pública foi a intenção de revisar o relatório dos impactos ambientais, o EIA-Rima, de todo o processo envolvendo o Porto do Açu. Esta semana, o Ministério do Desenvolvimento revelou que o Rio de Janeiro superou São Paulo e Minas Gerais em volume de investimento. Só o Porto do Açu recebeu, em 2010, R$ 3,4 bilhões, um terço do que receberam cada um dos dois estados vizinhos, os mais populosos do Brasil. O noroeste fluminense recebeu mais de R$ 8 bilhões.