Por Ruth Costas, da BBC Brasil em Londres
Ações que questionam impacto ambiental de obras do Porto do Açu
Em meio ao colapso de seu império empresarial, Eike Batista está se tornando o alvo de uma série de denúncias e processos de grupos que se dizem "vítimas" do magnata ou das empresas de seu conglomerado, o Grupo EBX.
A lista inclui desde acionistas minoritários da petrolífera OGX, que tiveram grandes perdas com a queda de mais de 80% no valor das ações da empresa, até pequenos agricultores desapropriados para a construção do Porto do Açu, no Norte do estado do Rio - conjunto de obras da qual participam tanto a OSX, que atua na indústria naval e de offshore (construção e operação de plataformas petrolíferas), quanto a LLX Logística.
Algumas ações contra o grupo foram indeferidas pela Justiça ─ e é impossível saber quais irão adiante. Mas tais ações ampliam as incertezas para a EBX em um momento em que Eike precisa conseguir recursos e parceiros para estabilizar seu conglomerado e garantir a finalização de projetos como o do Porto do Açu.
"A crise da EBX criou um senso de urgência em pessoas que se sentem lesadas por essas empresas e temem que uma reestruturação total ou colapso do grupo compliquem ainda mais a obtenção de reparações", explicou à BBC Brasil o advogado Cristiano Pacheco.
Pacheco foi contratado pela Associação dos Produtores Rurais e Imóveis de São João da Barra (ASPRIM) para mover duas ações envolvendo empresas do grupo EBX. A primeira questiona o licenciamento ambiental das obras do Porto do Açu. A segunda pede mais transparência na divulgação de informações sobre os processos de desapropriações da região.
Além desses dois processos, motivados pela crise da EBX, há pouco mais de uma semana os produtores rurais de São João da Barra também decidiram entrar com uma ação popular pedindo à Justiça a reversão das desapropriações, que são feitas pela Companhia de Desenvolvimento do Rio de Janeiro (Codin).
'Desvio de finalidade'
O Porto do Açu é provavelmente o projeto mais ambicioso de Eike. Pelos planos originais prevê, além do porto em si, a instalação de um mega complexo industrial na região, com uma termelétrica, um estaleiro, uma siderúrgica, cimenteiras, um polo ferroviário e um conjunto de bairros para abrigar trabalhadores ─ a chamada "Cidade X".
Os agricultores desapropriados dizem que, como muitas obras teriam sido paralisadas em meio as incertezas geradas pela crise do grupo X, haveria um "desvio de finalidade" das terras.
Agricultor trabalha em plantação de abacaxi em área próxima ao Porto do Açu
"Não faz sentido eles continuarem as desapropriações se agora nem sabemos o que vai acontecer com esse projeto", defende Noêmia Magalhães, que tem um pequeno sítio na lista de terras a serem transferidas à empresa pela Codin.
"O que fizeram em Porto Açu foi uma espécie de reforma agrária as avessas. Um ente público (Codin) tirou as propriedades de pequenos agricultores que produziam abacaxi e quiabo e as transformou em terras improdutivas nas mãos de uma grande empresa", diz Marcos Pedlowski, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).
A LLX diz que o tema das desapropriações deve ser tratado com a Codin. Para esse órgão, não há "desvios de finalidade" das terras porque algumas obras do complexo estariam sendo levadas adiante.
Salinização
"Temos uma região de vocação agrária que se preparou para se transformar em uma área industrial e agora as incertezas sobre esses planos geram muita apreensão."
Eduardo Silva, procurador público
O projeto do porto também está há algum tempo na mira do procurador público Eduardo Silva, de Campos dos Goytacazes (município vizinho a São João da Barra) ─ o mesmo que em março pediu a prisão de executivos da Chevron por considerá-los responsáveis por um vazamento de petróleo na região.
No ano passado, depois de um estudo do Laboratório de Ciências Ambientais da Uenf apontar que a construção do complexo estaria causando a salinização de um lençol freático e terras cultiváveis, o Ministério Público pediu a interrupção das obras.
Silva diz que até setembro o Ministério Público pretende realizar uma audiência pública sobre o tema para ouvir a população, as empresas, entes oficiais e demais afetados pela situação.
Em nota, a LLX e a OSX alegam que a alteração dos índices de salinidade em um canal da região "foi pontual", estava "prevista nos estudos de impacto ambiental" e teria sido agravada por "obras civis realizadas por terceiros" e a seca na região. Também afirmam que monitoram "constantemente" tais índices e já teriam tomado medidas para corrigir eventuais distorções.
Silva ressalta que a intenção do MP não é paralisar o projeto e admite que a conclusão dos investimentos no porto seria interessante para a população local.
"Temos uma região de vocação agrária que se preparou para se transformar em uma área industrial e agora as incertezas sobre esses planos geram muita apreensão. Mas não podemos permitir que essas obras sejam feitas a qualquer custo. É preciso que haja transparência, prestação de contas e respeito as comunidades locais e meio ambiente."
Acionistas minoritários
"É claro que o mercado acionário tem riscos, mas não é Las Vegas. Os riscos são controlados e estudados porque a empresa é obrigada a divulgar seus dados de forma transparente"
Marcio Lobo, investidor
Além do Porto do Açu, outra grande fonte de dores de cabeça para Eike são os acionistas minoritários da OGX, a petrolífera da EBX, que precipitou a crise de credibilidade do grupo ao anunciar a inviabilidade comercial de seus poços na Bacia de Campos.
"Queremos esclarecimento sobre se houve distorções na divulgação das informações sobre essa empresa e quem foram os responsáveis por tais irregularidades", disse à BBC Adriano Mezzomo, presidente da União dos Acionistas Minoritários do Grupo EBX (UNAX), entidade que, segundo ele, já reuniria 1.000 pequenos investidores.
"Antes de tomar qualquer atitude, estamos aguardando a conclusão de processos administrativos abertos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas já temos informações de acionistas que estão individualmente fazendo denúncias contra o empresário (Eike Batista) no Ministério Público. Um deles teria ido à Justiça para tentar obter o bloqueio de bens", diz Mezzomo.
Marcio Lobo investiu R$ 800 mil na OGX, dos quais teria perdido cerca de R$540 mil.
Foi ele quem pediu o congelamento dos bens de Eike, além de requerer a proibição da transferência de ativos da OGX para outras empresas do grupo.
O primeiro pedido foi indeferido. O segundo ainda estaria em análise, segundo o investidor.
"É claro que o mercado acionário tem riscos, mas não é Las Vegas. Os riscos são controlados e estudados porque a empresa é obrigada a divulgar seus dados de forma transparente", diz Lobo.
Ele diz que as informações divulgadas pela OGX ressaltavam cenários otimistas e escondiam incertezas. "Então a minha percepção é que Eike enganou o mercado."
Mezzomo concorda, mas ressalta que o melhor cenário para os acionistas minoritários seria uma recuperação da empresa. Por isso, segundo ele, é preciso cuidado com processos que possam complicar essa recuperação.
Perdas da OGX provocaram ira de acionistas da petrolífera
"Nosso objetivo é ter mais voz nos planos de reestruturação das empresas do grupo EBX e também pressionar para que uma nova regulamentação garanta a qualidade das informações divulgadas no futuro", afirma o advogado.
"Um fracasso como esse não ocorre por acaso ─ é construído. Precisamos de garantias de que casos assim não voltarão a se repetir no futuro."
Queda livre
Eike era, em março de 2012, o empresário mais rico do Brasil e oitavo mais rico do mundo, segundo a agência Bloomberg, com um patrimônio estimado em US$ 34,5 bilhões (R$ 78 bilhões).
Pelas novas estimativas da agência, ele não seria nem mais bilionário, tendo um patrimônio avaliado em US$ 200 milhões.
O colapso do grupo EBX foi desatado por uma sucessão de problemas envolvendo suas empresas, que, em um cenário de desaceleração chinesa e perda de vigor do PIB brasileiro, fizeram o conglomerado mergulhar em uma grave crise de credibilidade.
Primeiro, a OSX revisou suas metas de produção. Já a mineradora MMX teve obras paralisadas no Chile e desistiu de projetos no país.
Quando a petrolífera OGX anunciou a inviabilidade comercial de seus poços da Bacia de Campos, há algumas semanas, as ações de algumas empresas do conglomerado despencaram e começou-se a discutir em uma reestruturação do grupo.